Havia luar naquela noite. Há luar, às vezes. Felizmente. Para mostrar a torpeza e a dor. Mas também a esperança.
Esta
peça de teatro de Luiz de Sttau Monteiro, datada do início dos anos 60
do século XX, é uma das obras estudadas na disciplina de Português ao
nível do 12º ano, daí o grupo de teatro A Barraca ter há anos em cena
uma apresentação deste texto dramático.
Na peça, Felizmente há Luar é
uma expressão que, para além de ser título, é dita quer pelo poder
discricionário responsável pelo assassinato de Gomes Freire de Andrade,
quer por Matilde, mulher do General. Para o primeiro, que o luar mostre o
que acontece aos que desobedecem, para a segunda, que o luar mostre o
que o poder faz aos inocentes.
Mas
LUAR é também aqui uma alusão ao movimento revolucionário de mesmo nome
da época, associado ao assalto ao navio Santa Maria, à revolta de Beja e
outras acções de revolta activa cujos dirigentes terão sido próximos de
Luiz de Sttau Monteiro.
Existem neste texto dois tempos que à moda do interseccionismo,
paralelamente se cruzam. Passe o excessivo paradoxo. Um dos tempos é o
tempo histórico, explícito, o outro é o metafórico, o implícito, ou
proibido.
Princípios
do século XIX, meados do século XX: num tempo, as lutas liberais
coincidindo com as invasões francesas e a “amigável” ocupação inglesa
para pôr em ordem o exército e o país, o rei refugiado no Brasil; no
outro, a ditadura de Salazar, o povo emigrado no estrangeiro por razões
económicas e (ou) políticas.
Era caso para dizer: "com amigos estes não precisávamos de inimigos" .
Era caso para dizer: "com amigos estes não precisávamos de inimigos" .
Luiz
de Sttau Monteiro não podia escrever politicamente sobre o seu tempo,
escreveu sobre outro tempo onde situações se assemelhavam.
No palco, um cenário feito de miniaturas de casas, miniatura de cidade, e as luzes criando cenas e actos dentro da cena.
Na distanciação brechtiana,
os actores não fingem que aquilo é a vida deles e que estão ali sós,
irremediavelmente sós, como na vida. Sabem e mostram saber que pisam um
palco e que nós estamos do outro lado. É um fazer de conta sabendo que
nós sabemos que eles sabem que estão a fazer de conta.
Esta
encenação, onde a componente didáctica está presente, sem prescindir de
toda a qualidade de um espectáculo para qualquer tipo de público,
permite aos alunos contactarem com uma boa representação dramática, com
um texto importante da nossa cultura e da nossa história, com a relação
texto/dramatização, representação de uma acção e opção por um
determinado estilo de representação (a distanciação), humor, ternura,
emoção e crítica, importante trabalho de sonoplastia e luminotecnia. O
mérito das visitas de estudo, quando feitas no local exacto, no momento
adequado, perante um objecto de qualidade, é que são meio caminho andado
para o estudo de uma obra. Nem dez das mais excelentes aulas
conseguiriam mostrar o que os alunos conseguiram ver num único
espectáculo. A aprendizagem é tão importante, que não é de desprezar
qualquer contexto em que possa acontecer. Nas aulas e para além delas.
Os alunos, na sua totalidade, gostaram. Uns poucos com algumas reservas,
muitos apreciaram francamente o espectáculo, um número considerável
muito entusiasticamente, emocionadamente. Choraram no fim com Maria do
Céu Guerra. Não houve distanciação que chegasse. Lamentaram a presença
de alunos de uma outra escola, felizmente em minoria, mesmo assim o
suficiente para impedirem os alunos mais próximos deles de uma recepção
ótima do espectáculo.
A esses alunos, ou antes, a esses professores, eu diria: insistam, não desistam. É como disse Pessoa relativamente à Coca Cola:
“Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Há que levá-los a ver
objectos de qualidade para que criem espaço de qualidade dentro deles,
para que esqueçam a estética vazia de casas de segredos e inutilidades
afins.
Podem
também levá-los a ver outras coisas, por exemplo a escultura em
homenagem a Gomes Freire, em pedra e bronze, na Rua Gomes Freire, da
autoria do escultor Francisco Simões e do arquitecto Luís Conceição.
Podem escolher um dia de sol ou uma noite de luar. Mas vão. Ou
aconselhem-nos a ir. Há sempre um ou outro que só está à espera que não
desistamos deles. De todos. Alguns aproveitam. Outros adiam. Que sabemos
nós do prazo de validade do mistério?
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