I Parte
Foi no dia 13 de Novembro de 2012 que, a turma do
12º A da Escola Secundária Artística António Arroio, percorreu a Baixa de
Lisboa no contexto da disciplina de Português de maneira a didaticamente
estudarmos a vida e a passagem de F. Pessoa por ruas que muitos de nós já
conhecíamos mas, que nunca tínhamos olhado como o palco da sua vida.
É certo que este roteiro estava diretamente ligado
a Pessoa, mas não foi por isso menos abrangente, pois para além da influência
deste, também outras personalidades estiveram presentes no decorrer da visita, personalidades
como Luís de Camões (no contexto d'Os Lusíadas - que estudamos agora em paralelo
com a Mensagem de F. P.) e José Saramago (no contexto do Memorial do Convento –
a trabalhar no segundo período).
A visita foi feita na companhia da professora Risoleta
Pedro de Português, e da professora Ana Azevedo de História da Cultura e das
Artes, e, embora estivesse relacionada com a disciplina de Português, penso que
foi uma mais valia a presença da professora Ana Azevedo pois, para alem da
importância de toda a parte literária da visita que a professora Risoleta nos
proporcionou, também foi muito interessante a inclusão do contexto histórico
dos locais pela professora de H.C.A..
Esta visita também ganhou muito pelo facto de
ter-nos sido atribuído (aos alunos) o papel de apresentarmos cada espaço, não
só por que nos levou a estudar o espaço que nos calhou mais profunda e
pessoalmente, como também nos aproximava mais da visita pelo facto de vermos
colegas nossos a falarem, também porque, sendo todos tão diferentes, cada
espaço foi abordado de várias maneiras pessoais tornando a visita mais elaborada
e deversificada.
Gostei muito de ver o tipo de “caminho” que cada um
escolheu para explorar o seu espaço, foi talvez o ponto mais interessante da
visita no meu ponto de vista.
O roteiro passou por sítios como: A Brasileira, o
Adamastor, o Largo S. Carlos, a Basílica dos Mártires, o Largo Bordalo
Pinheiro, o Largo do Carmo, o Restaurante Leão pobre/leão de Ouro, a Estação do
Rossio, o Largo D. João da Câmara, o Rossio, a Praça da Figueira, o Licorista,
a Rua Augusta, a Rua dos Douradores, a casa de Mário de Sá Carneiro, a Rua dos
Fanqueiros, a rua do Ouro, o Terreiro do Paço, o Cais das Colunas e por fim a
Casa dos Bicos.
Cada um destes locais teve direito à sua apresentação
e a recitações dos mais variados textos, sempre em sintonia com o tema da
visita. E perto do final, mais precisamente no Cais das Colunas tivemos mesmo a
oportunidade de largar no rio vários barquinhos de papel feitos por duas
colegas nossas que tinham esse espaço para apresentar.
O meu grupo era constituído por mim e pela Ana
António e calhou-nos a Estação do Rossio e a Rua dos Douradores nos quais
apresentámos, respetivamente, os seguintes excertos:
Carta de Fernando Pessoa a Mário
de Sá Carneiro.
Escolhemos
este excerto pelo facto de Fernando Pessoa se deslocar à Estação do Rossio para
vir esperar o seu grande amigo quando este regressava de Paris.
“Lisboa, 14 de Março de
1916
Meu querido Sá-Carneiro:
Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental -
uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a
dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O
absurdo da frase falará por mim.
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro.
Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do
rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu
sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem
há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha
mágoa é mais antiga.
(…)No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do
meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde
pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na
minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu
estado de alma neste momento. Como à veladora do «Marinheiro» ardem-me os
olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por
interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a
brochura a descoser-se.
(…)Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta
frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas
dão uma grande vontade de chorar. Pode ser que se não deitar hoje esta carta no
correio amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases
e esgares dela no «Livro do Desassossego». Mas isso nada roubará à sinceridade
com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.
As últimas notícias são estas. Há também o estado
de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado
da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.
Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um
abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não
muito diferentes destes.
De que cor será sentir?
Milhares de abraços do seu, sempre muito seu
Fernando Pessoa
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Fernando
Pessoa.
Neste caso escolhemos este excerto pela
notória presença da rua dos Douradores no texto.
“Hoje, em um dos devaneios sem propósito nem
dignidade que constituem grande parte da substância espiritual da minha vida,
imaginei-me liberto para sempre da Rua dos Douradores, do patrão Vasques, do
guarda-livros Moreira, dos empregados todos, do moço, do garoto e do gato.
Senti em sonho a minha libertação, como se mares do Sul me houvessem oferecido
ilhas maravilhosas por descobrir. Seria então o repouso, a arte conseguida, o
cumprimento intelectual do meu ser.
Mas de repente, e no próprio imaginar, que fazia
num café no feriado modesto do meio-dia, uma impressão de desagrado me assaltou
o sonho: senti que teria pena. Sim, digo-o como se o dissesse
circunstanciadamente: teria pena. O patrão Vasques, o guarda-livros Moreira, o
caixa Borges, os bons rapazes todos, o garoto alegre que leva as cartas ao
correio, o moço de todos os fretes, o gato meigo — tudo isso se tornou parte da
minha vida; não poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por
mau que me parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o
separar-me deles era uma metade e semelhança da morte.
Aliás, se amanhã me apartasse deles todos, e
despisse este trajo da Rua dos Douradores, a que outra coisa me chegaria —
porque a outra me haveria de chegar?, de que outro trajo me vestiria — porque
de outro me haveria de vestir? (…)
E recolho-me, como ao lar que os outros têm, à casa
alheia, escritório amplo, da Rua dos Douradores. Achego-me à minha secretária
como a um baluarte contra a vida. Tenho ternura, ternura até às lágrimas, pelos
meus livros de outros em que escrituro, pelo tinteiro velho de que me sirvo,
pelas costas dobradas do Sérgio, que faz guias de remessa um pouco para além de
mim. Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar — ou talvez,
também, porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o
dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande
indiferença das estrelas.”
“Bem sei que há ilhas ao Sul e grandes paixões
cosmopolitas, e se eu tivesse o mundo na mão trocava-o, estou certo, por um bilhete
para a Rua dos Douradores
II Parte
Bernardo Soares e o Roteiro pela Baixa
Passaram
destacando-se, a princípio, apenas pela sua quantidade, era sem dúvida um
qualquer projeto educativo, não me demorei mais do que o banal a olhar para
aquele grupo de jovens. Rodei sobre mim mesmo e encostei-me à parede mais perto
de mim à espera que passassem depressa e me deixassem de novo com os meus
delírios sãos. Na verdade já era praticamente de noite, e a rua dos Douradores
estava vazia, à exceção de mim e daqueles todos. Uma pequena grande multidão
entre mim e a solidão que só os Douradores me podiam proporcionar neste
momento. Encostado, fechei os olhos ignorando-os propositadamente.
Parecia que
iam ficar, e ficaram não só por ficar, mas ficaram por mim, não diretamente por
mim, mas inconscientemente pelo que fui e pelo que fiz, pelo que fiz do sítio
onde estou. Falaram, leram e encheram-me os pensamentos de ternura e afeto.
Eles estavam ali pelo mesmo que eu, não por si, mas pela Rua dos Douradores,
pelo que escrevi sobre ela e pela sua significativa importância, que ultrapassa
a simples importância de uma rua qualquer.
Mafalda. 12º A
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