domingo, 2 de dezembro de 2012

Relatório da visita



I Parte

Foi no dia 13 de Novembro de 2012 que, a turma do 12º A da Escola Secundária Artística António Arroio, percorreu a Baixa de Lisboa no contexto da disciplina de Português de maneira a didaticamente estudarmos a vida e a passagem de F. Pessoa por ruas que muitos de nós já conhecíamos mas, que nunca tínhamos olhado como o palco da sua vida.
É certo que este roteiro estava diretamente ligado a Pessoa, mas não foi por isso menos abrangente, pois para além da influência deste, também outras personalidades estiveram presentes no decorrer da visita, personalidades como Luís de Camões (no contexto d'Os Lusíadas - que estudamos agora em paralelo com a Mensagem de F. P.) e José Saramago (no contexto do Memorial do Convento – a trabalhar no segundo período).
A visita foi feita na companhia da professora Risoleta Pedro de Português, e da professora Ana Azevedo de História da Cultura e das Artes, e, embora estivesse relacionada com a disciplina de Português, penso que foi uma mais valia a presença da professora Ana Azevedo pois, para alem da importância de toda a parte literária da visita que a professora Risoleta nos proporcionou, também foi muito interessante a inclusão do contexto histórico dos locais pela professora de H.C.A..
Esta visita também ganhou muito pelo facto de ter-nos sido atribuído (aos alunos) o papel de apresentarmos cada espaço, não só por que nos levou a estudar o espaço que nos calhou mais profunda e pessoalmente, como também nos aproximava mais da visita pelo facto de vermos colegas nossos a falarem, também porque, sendo todos tão diferentes, cada espaço foi abordado de várias maneiras pessoais tornando a visita mais elaborada e deversificada.
Gostei muito de ver o tipo de “caminho” que cada um escolheu para explorar o seu espaço, foi talvez o ponto mais interessante da visita no meu ponto de vista.
O roteiro passou por sítios como: A Brasileira, o Adamastor, o Largo S. Carlos, a Basílica dos Mártires, o Largo Bordalo Pinheiro, o Largo do Carmo, o Restaurante Leão pobre/leão de Ouro, a Estação do Rossio, o Largo D. João da Câmara, o Rossio, a Praça da Figueira, o Licorista, a Rua Augusta, a Rua dos Douradores, a casa de Mário de Sá Carneiro, a Rua dos Fanqueiros, a rua do Ouro, o Terreiro do Paço, o Cais das Colunas e por fim a Casa dos Bicos.
Cada um destes locais teve direito à sua apresentação e a recitações dos mais variados textos, sempre em sintonia com o tema da visita. E perto do final, mais precisamente no Cais das Colunas tivemos mesmo a oportunidade de largar no rio vários barquinhos de papel feitos por duas colegas nossas que tinham esse espaço para apresentar.
O meu grupo era constituído por mim e pela Ana António e calhou-nos a Estação do Rossio e a Rua dos Douradores nos quais apresentámos, respetivamente, os seguintes excertos:

Carta de Fernando Pessoa a Mário de Sá Carneiro.
Escolhemos este excerto pelo facto de Fernando Pessoa se deslocar à Estação do Rossio para vir esperar o seu grande amigo quando este regressava de Paris.

   “Lisboa, 14 de Março de 1916
Meu querido Sá-Carneiro:
Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim.
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
(…)No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do «Marinheiro» ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se.
(…)Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar. Pode ser que se não deitar hoje esta carta no correio amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no «Livro do Desassossego». Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.
As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.
Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferentes destes.
De que cor será sentir?
Milhares de abraços do seu, sempre muito seu
Fernando Pessoa

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Fernando Pessoa. 
Neste caso escolhemos este excerto pela notória presença da rua dos Douradores no texto.

“Hoje, em um dos devaneios sem propósito nem dignidade que constituem grande parte da substância espiritual da minha vida, imaginei-me liberto para sempre da Rua dos Douradores, do patrão Vasques, do guarda-livros Moreira, dos empregados todos, do moço, do garoto e do gato. Senti em sonho a minha libertação, como se mares do Sul me houvessem oferecido ilhas maravilhosas por descobrir. Seria então o repouso, a arte conseguida, o cumprimento intelectual do meu ser.
Mas de repente, e no próprio imaginar, que fazia num café no feriado modesto do meio-dia, uma impressão de desagrado me assaltou o sonho: senti que teria pena. Sim, digo-o como se o dissesse circunstanciadamente: teria pena. O patrão Vasques, o guarda-livros Moreira, o caixa Borges, os bons rapazes todos, o garoto alegre que leva as cartas ao correio, o moço de todos os fretes, o gato meigo — tudo isso se tornou parte da minha vida; não poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por mau que me parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o separar-me deles era uma metade e semelhança da morte.
Aliás, se amanhã me apartasse deles todos, e despisse este trajo da Rua dos Douradores, a que outra coisa me chegaria — porque a outra me haveria de chegar?, de que outro trajo me vestiria — porque de outro me haveria de vestir? (…)
E recolho-me, como ao lar que os outros têm, à casa alheia, escritório amplo, da Rua dos Douradores. Achego-me à minha secretária como a um baluarte contra a vida. Tenho ternura, ternura até às lágrimas, pelos meus livros de outros em que escrituro, pelo tinteiro velho de que me sirvo, pelas costas dobradas do Sérgio, que faz guias de remessa um pouco para além de mim. Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar — ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande indiferença das estrelas.”

“Bem sei que há ilhas ao Sul e grandes paixões cosmopolitas, e se eu tivesse o mundo na mão trocava-o, estou certo, por um bilhete para a Rua dos Douradores



II Parte

Bernardo Soares e o Roteiro pela Baixa

Passaram destacando-se, a princípio, apenas pela sua quantidade, era sem dúvida um qualquer projeto educativo, não me demorei mais do que o banal a olhar para aquele grupo de jovens. Rodei sobre mim mesmo e encostei-me à parede mais perto de mim à espera que passassem depressa e me deixassem de novo com os meus delírios sãos. Na verdade já era praticamente de noite, e a rua dos Douradores estava vazia, à exceção de mim e daqueles todos. Uma pequena grande multidão entre mim e a solidão que só os Douradores me podiam proporcionar neste momento. Encostado, fechei os olhos ignorando-os propositadamente.
Parecia que iam ficar, e ficaram não só por ficar, mas ficaram por mim, não diretamente por mim, mas inconscientemente pelo que fui e pelo que fiz, pelo que fiz do sítio onde estou. Falaram, leram e encheram-me os pensamentos de ternura e afeto. Eles estavam ali pelo mesmo que eu, não por si, mas pela Rua dos Douradores, pelo que escrevi sobre ela e pela sua significativa importância, que ultrapassa a simples importância de uma rua qualquer.

Mafalda. 12º A



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