segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Leitura, Dissertação, Improvisação



 
O texto que escrevi relaciona-se com o estudo tão intensivo de um escritor que quase matamos toda a sua escrita. Com a ideia de arranjar motivos e razões, histórias e fantasias por trás de toda a poesia de Pessoa. O inventar do ser que ele era, louco ou não, bêbedo ou não, esquizofrénico ou não. Relaciona-se com a necessidade que temos de justificar a genialidade de um artista e o enorme obstáculo que é acreditarmos que ‘’sim, só porque sim’’ sem um motivo. O meu texto é por isso como que uma manifestação de desagrado do poeta por todos os pontos que acrescentaram, não só à sua vida como à sua obra. É uma mistura do meu desagrado com o de Pessoa. Eu própria não gosto quando me pedem para explicar o porquê de algo que escrevo ou desenho, por vezes não há um porquê, há o nosso inconsciente a trabalhar, a comandar a nossa mão. Por isso, e se Fernando Pessoa tiver sido um génio, sem dúvida, mas um génio inconsciente? Sem motivos, sem razões. E se, por um segundo, parássemos de fazer perguntas, de procurar respostas e apenas apreciássemos as linhas e não o que está entre ou por trás delas? A arte pela arte. A escrita pela escrita. A poesia pela poesia.


Porque me fazem e desfazem.
Um diz que diz de fases que foram. Consequências e sequências de cadências irregularmente organizadas. Não cronológicas. Não lógicas. Não nada. Que nunca foram. Inventaram-me camadas do inconsciente fluído em letras e palavras. Esmiuçaram e arrancaram até um caroço. Acusaram de texturas, fissuras e loucuras. Nunca foi. Nunca fui. Nada nunca do diz que diz. Fui um romper de regularidade e facilidades assumidas. Moldaram-me erradamente como um esmagador equívoco. Escrevia flores sem cheiro e corredores sem portas. Plano devastador de crenças e respostas. Viram o que queriam ver. Sentiram e souberam por mim o que nunca realmente houve. Seres carentes por significados e simbologias. Incapazes e incompletos não veem nunca nada pelo que é. Veem mais porque nunca nada chega. E perdidos na loucura de que a mim me acusaram, loucos, enlouqueceram. Medíocres almas aspirantes à inspiração da genialidade. Trouxeram ao mundo um fantasma. Trouxeram a não aceitação da arte pela arte. Fizeram de mim uma marioneta de ilusões. Pegaram no vazio do meu baú e encheram-no de suposições. Preencheram o meu inconsciente solto de correntes e algemas. Corromperam-me as linhas e as rimas de ferrugem e farrapos. E por força, que nada mais têm, anularam a imaginação da genialidade do meu inconsciente. Condenaram os meus vazios a espaços cheios e sufocantes. Construíram castelos na areia e num sopro eu tudo apago. Um génio louco consumido no fundo de uma garrafa vazia. Tombei, tombando e quebrei-me em cacos de nada. Condenaram-me eternamente a uma existência inexistente. Todo o meu inconsciente dissertado em explicações de porquês. Sufocaram-me em mim e agora estou morto, ainda mais do que antes.

Aquilo de que nunca me acusaram

O génio que dizem que fui, é isso mesmo, o que dizem. Nunca o fui, não. Acusaram-me de existências, motivos e razões que nunca tive. De ser, de ter, de sofrer e no fim morri, não uma, mas duas vezes. E morro ainda todos os dias porque as suposições não têm fim. Humanidade. Mentes pensantes perdidas com noções erradas do que é necessário. Eu não sou nada do que me acusam. Eu sou rimas pelas rimas. Eu sou poeta pela poesia. Eu bebo pela bebida e sou tão louco quanto todos o somos. Quanto a sociedade nos deixa ser ou um pouco mais porque sou famoso. Eu trabalho porque é minha obrigação e vivo porque um dia meus pais tomaram essa decisão. Eu rimo sem querer e escrevo sem saber. Faço porque faço e não perguntem porquê. Acusaram-me de tudo, menos de ser livre. Foi tudo quanto sempre quis ser. Livre de preconceitos, de críticos e de invejosos. Livre para escrever sem que um dia inventassem razões. Criaturas que não sabem apreciar o bom pelo bom. Eu sou o último gole da garrafa. O último cigarro do pacote. O último vício sustentável. Eu sou tudo aquilo de que nunca me acusaram.

Margarida B. Gomes da Silva
Nº15 12ºA

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