O texto que escrevi relaciona-se com o estudo tão intensivo
de um escritor que quase matamos toda a sua escrita. Com a ideia de arranjar
motivos e razões, histórias e fantasias por trás de toda a poesia de Pessoa.
O inventar do ser que ele era, louco ou não, bêbedo ou não, esquizofrénico ou
não. Relaciona-se com a necessidade que temos de justificar a genialidade de um
artista e o enorme obstáculo que é acreditarmos que ‘’sim, só porque sim’’ sem
um motivo. O meu texto é por isso como que uma manifestação de desagrado do
poeta por todos os pontos que acrescentaram, não só à sua vida como à sua obra.
É uma mistura do meu desagrado com o de Pessoa. Eu própria não gosto quando me
pedem para explicar o porquê de algo que escrevo ou desenho, por vezes não há
um porquê, há o nosso inconsciente a trabalhar, a comandar a nossa mão. Por
isso, e se Fernando Pessoa tiver sido um génio, sem dúvida, mas um génio
inconsciente? Sem motivos, sem razões. E se, por um segundo, parássemos de
fazer perguntas, de procurar respostas e apenas apreciássemos as linhas e não o
que está entre ou por trás delas? A arte pela arte. A escrita pela escrita. A
poesia pela poesia.
Porque me fazem e desfazem.
Um diz que diz de fases que foram. Consequências e
sequências de cadências irregularmente organizadas. Não cronológicas. Não
lógicas. Não nada. Que nunca foram. Inventaram-me camadas do inconsciente
fluído em letras e palavras. Esmiuçaram e arrancaram até um caroço. Acusaram de
texturas, fissuras e loucuras. Nunca foi. Nunca fui. Nada nunca do diz que diz.
Fui um romper de regularidade e facilidades assumidas. Moldaram-me erradamente
como um esmagador equívoco. Escrevia flores sem cheiro e corredores sem portas.
Plano devastador de crenças e respostas. Viram o que queriam ver. Sentiram e
souberam por mim o que nunca realmente houve. Seres carentes por significados e
simbologias. Incapazes e incompletos não veem nunca nada pelo que é. Veem mais
porque nunca nada chega. E perdidos na loucura de que a mim me acusaram,
loucos, enlouqueceram. Medíocres almas aspirantes à inspiração da genialidade.
Trouxeram ao mundo um fantasma. Trouxeram a não aceitação da arte pela arte.
Fizeram de mim uma marioneta de ilusões. Pegaram no vazio do meu baú e
encheram-no de suposições. Preencheram o meu inconsciente solto de correntes e
algemas. Corromperam-me as linhas e as rimas de ferrugem e farrapos. E por
força, que nada mais têm, anularam a imaginação da genialidade do meu
inconsciente. Condenaram os meus vazios a espaços cheios e sufocantes.
Construíram castelos na areia e num sopro eu tudo apago. Um génio louco
consumido no fundo de uma garrafa vazia. Tombei, tombando e quebrei-me em cacos
de nada. Condenaram-me eternamente a uma existência inexistente. Todo o meu inconsciente
dissertado em explicações de porquês. Sufocaram-me em mim e agora estou morto,
ainda mais do que antes.
Aquilo de que nunca me acusaram
O génio que dizem que fui, é isso mesmo, o que dizem. Nunca
o fui, não. Acusaram-me de existências, motivos e razões que nunca tive. De
ser, de ter, de sofrer e no fim morri, não uma, mas duas vezes. E morro ainda
todos os dias porque as suposições não têm fim. Humanidade. Mentes pensantes
perdidas com noções erradas do que é necessário. Eu não sou nada do que me
acusam. Eu sou rimas pelas rimas. Eu sou poeta pela poesia. Eu bebo pela bebida
e sou tão louco quanto todos o somos. Quanto a sociedade nos deixa ser ou um
pouco mais porque sou famoso. Eu trabalho porque é minha obrigação e vivo
porque um dia meus pais tomaram essa decisão. Eu rimo sem querer e escrevo sem
saber. Faço porque faço e não perguntem porquê. Acusaram-me de tudo, menos de
ser livre. Foi tudo quanto sempre quis ser. Livre de preconceitos, de críticos
e de invejosos. Livre para escrever sem que um dia inventassem razões.
Criaturas que não sabem apreciar o bom pelo bom. Eu sou o último gole da
garrafa. O último cigarro do pacote. O último vício sustentável. Eu sou tudo
aquilo de que nunca me acusaram.
Margarida B. Gomes da Silva
Nº15 12ºA
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