domingo, 23 de outubro de 2011

Brincar com a língua

Oficina de Escrita
 


Processos Fonológicos - Aférese
Ainda-Inda

Este processo, a aférese, caracterizada pela perda de letra(s) no início das palavras, remete-me para uma aldeia perdida entre dois montes e a imensidão do Alentejo. Isto acontece, talvez, por este processo ter origem na forma popular de pronunciar as palavras.
 Por exemplo, diz a Dona Clotilde, ao marido, pela enésima vez : "Inda na foste buscar o gás, Berto ?". O seu marido, o Sr. Albertino, resmunga entre dentes, é claro, o facto de que ir ao gás, não é como ir ali ao canteiro colher uns coentros para a açorda... é bem mais complicado. A separar a sua casa do café, está uma estrada de terra batida de seis quilómetros, que o "bolinhas" do Sr.Berto já custa a percorrer. Mas é neste mesmo café, apelidado de "Café da Coxa", que quem vive ali pelos baldios vai comprar o gás, como o Sr.Berto, ou buscar o correio, como a Dona Maria, ou ainda matilhas para a caça ao javali, com o nome de "Matilhas Ferra-o-Dente". O "Café da Coxa" é o foco de vida desta terra. E se, pelo processo fonológico, a aférese tirarmos o "c" ao café, ficamos com o maior interesse deste povo, a-fé. Se ir buscar o gás ou ir ao correio à Coxa uma vez por  mês, é considerado difícil e custoso, a dominical ida à missa na localidade mais próxima, a vinte cinco quilómetros é o ponto alto da semana. Pois é, a fé inda tem destas coisas.

Mafalda Alves, nº 17, 11ºE

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