Relatório – Inquisidor a São
Roque
1662.11.16
Fresco da recente chegada a Lisboa, Padre António
Vieira não se deu bem quando se apercebeu que o seu velho companheiro protetor
D.João IV tinha falecido no ano de 1657, ainda antes de ele começar a ser
desprezado e atirado para fora do Brasil pela sua incómoda “voz”. Homem de
heréticas opiniões, não pode ser dotado de louvor ou valor como os outros
pregadores que tão bem ocupam a sua ocupação enquanto pregadores.
Venho hoje a São Roque, procurar e anotar a
sua ousadia e incriminar as suas palavras, como inquisidor sólido que sou.
Ou venho, eu hoje, como inquisidor afortunado
que sou, ou como homem comum, espantar os meus adormecidos conhecimentos e
deslumbrar o encanto que agora revejo em cada canto desta igreja: o canto da simplesmente espantosa arquitetura
barroca desta igreja, ou o canto cantado das palavras soltas p’lo Pe António
Vieira.
Não admira que São Roque, santíssima Igreja, tenha
servido de exemplo a outras igrejas cristãs pelos cantos do mundo, como ouvira
dizer: no Brasil, ainda em Portugal e também na Índia.
Também não consigo deixar de reparar no
estrondoso efeito acústico libertado pelas quatro paredes desta retangular
igreja. Será o efeito estrondoso p’la
supremacia e virtuosa arquitetura retangular e escultura e pintura barroca –
acompanhando como efeito de requinte? Ou serão as palavras sermãozadas do Pe António Vieira tais, que de razão forte e voz
consciente conferem um som elegantemente ritmado e movimentado? Ou serão um, os
dois só?
Falando em detalhe, repare-se no barroco entranhado
nesta caixa de igreja que parece assim mais um baú de tesouros. Arcos de volta perfeita,
denotam vestígios por aqui passados do Renascimento. Os frescos e esculturas
que de forma sensacionalmente rigorosa, realista, naturalista e teatralesca retratam perfeitamente a
vida dos santos e mártires. Esplêndida a fantasia espanejada nesta libertação
espacial simétrica entre capelas e entre frescos e entre as ideias e rezas por
aqui passantes.
Entendo agora a designação de Barroco. Pérola
é a unidade da magia festiva que por aqui inquieta entre artes barrocas.
Reparo agora, como por exemplo, na minha frente – Capela Italiana de São João
Batista. Que Luxo! E por luxo entenda-se peças escultóricas e ornamentadas,
mosaicos vidrados espalhados por chão, paredes, pelo teto. Fantástico exemplo
da finalíssima época Barroca.
Num encanto auditivo, se me torna o corpo,
agora, num frente a frente ao púlpito onde se encontra presente Vieira. Que
hei-de eu pensar, se me invade num tom que parecendo celestial, ritmado de
elevadíssimo elegância e movimento, o jogo com que o Padre despe as suas
palavras em ideias pelas suas ideias em encanto? Um estilo de círculos
concêntricos de uma clareza e graça
levíssimas em que a expressividade da sonora poesia não estaria melhor
contextualizada e acompanhada se não num lugar de tanto barroco. Completam-se
metáforas e esculturas, ironias e pinturas, o sermão e a saudável saudosa
arquitetura.
Rebato-me sobre o chão – olhando o teto.
Fascinado com o que vejo, sem mais nada para dizer ou conseguir, esqueço-me ou
faço-me esquecer de razões que por aqui me trouxeram.
Quem se atrevera a acusar ou alegar tão
consciente e verdadeiro imperador defensor das mais desfavorecidas classes,
como índios, como escravos, que se não fazer o contrário e querer prendê-lo
entre celas como a liberdade desses seres, estão presas por entre as mãos secas
de quem os manda? Quem não ouve a voz pela razão e que pela razão da doutrina
oferecida se queira recusar.
Gabriel
Filipe Duarte Gonçalves
n 10 11 E, Português
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