Clair
de lune ao luar
Clair de Lune,
Debussy.
Já assisti a uns três
saraus deste Senhor, com S grande. A minha admiração por ele é do conhecimento,
penso, de todas as minhas companhias, seja da manhã, da tarde ou da noite.
Inevitavelmente, quase todas as minhas conversas de qualquer hora do dia acabam
com um suspiro, ao relembrar aquela a quem já trato por ‘’Minha bela música’’. Mas
a verdadeira razão por que anseio, de todas as vezes, o começo, o meio e o fim
desta melodia não é o facto de a achar linda, magnífica ou qualquer um dos
outros adjetivos que é se calhar suposto utilizarmos quando falamos numa
música da qual gostamos muito. A verdade é que ela me faz pensar, liberta os
meus pensamentos e confesso que mal a oiço, mas os meus pensamentos voam ao som
das suas notas.
Uma vez mais aqui estou.
Convidada, num dos camarins mais invejados do teatro e com a companhia mais
invejada das senhoras. Inveja é de facto o que não falta por aqui e por entre
este meio de classes que são (ou pensam ser) ricas, mas não são ricas coisas.
Vêm, mesmo sem conhecerem uma única música ou até sem nunca terem ouvido falar
em tal nome. Enoja-me sabem? Saber que não se sabe nada e nem assim procurar
saber.
As primeiras notas são
tocadas com aqueles dedos longos e finos, elegantes. Fizeram-me lembrar os
dedos de Carlos e de quando agarrou na minha mão para me convidar, muito
alegremente, para um sarau de Debussy. Esboço um pequeno sorriso e, pelo canto
do olho, olho para ele que está ao meu lado e para o seu ar muito atento.
Parece ainda mais bonito ao luar da música.
A música está apenas no
começo e decido ouvi-la, mas desta vez a sério. Não posso continuar a não saber
sequer a melodia da minha querida música. Inconscientemente sabia que ela era
linda, mas agora, ao ouvi-la como nunca havia ouvido antes, admiro-me como algo
pode ser tão belo. É uma beleza que se ouve, que se sente e quase se inspira.
Parece que a cada nota, dezenas de passarinhos saem de dentro do lindo
piano preto e voam por cima das nossas cabeças
muito lenta e silenciosamente. É quase como a vida. Começa devagarinho,
agita-se lá pelo meio (com algumas partes verdadeiramente agitadas!) e termina
como começou. Os dedinhos mexem-se tão rápido que tentar acompanhar os seus
movimentos deixa-me zonza. Mas a música continua bela e mais bela ainda se
torna com o meu amor a meu lado.
Quando a música termina,
com aquele toque de génio de Debussy e o parar do balançar do seu corpo forte,
Carlos gira as suas pernas na cadeira e, enquanto todos se levantam e aplaudem
intensamente o músico que agora se encontra virado para eles e a fazer
consecutivas vénias, pergunta-me muito devagar e discretamente, por entre um
sorriso tímido:
– Como achas que está o
luar lá fora, minha querida Maria?
Joana
Tomás
Nº
16
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