domingo, 11 de dezembro de 2011

Visita de estudo


Relatório de um inquisidor deslumbrado

A minha mãe costumava dizer-me muitas vezes que havia escolhido este meu nome para mim, pois acreditava na força e liderança que ele transmitia. ‘’Ousadia, força de vontade, líder por natureza, que atrai as outras pessoas com seu entusiasmo’’. Dizia-me também que boa pessoa era aquela com o mesmo nome que eu. António. Mas não. Ele não. Ousado sim, mas certamente não boa pessoa. Com os seus sermões que diz de natureza pluralista e com conversas de salgador, atrai os outros e envolve-os em mentiras que não mais podemos tolerar. O copo há muito que tem sido enchido, pouco a pouco, e agora, transbordou. A Inquisição mandou-me hoje aqui acabar com esta brincadeira há muito suportada e há muito tolerada. Não há nome que o salve ou sermão que me impeça de cortar pela raiz tamanha ousadia que tem vindo a mostrar há tanto tempo.
Ao percorrer estas belas ruas lisboetas, preparo-me para o que se irá suceder. Penso no que poderei escrever sobre aquele herege. Mas agora, com um pé dentro e outro fora desta Igreja barroca de São Roque apercebo-me que nenhuma preparação poderia antever tal situação. Por momentos ainda tentei resistir contra tal deslumbramento e tentei desviar o olhar de tamanha beleza. Não era disso que se tratava. Não podia desconcentrar-me. Porém era tão bela, tão exuberante! Sabia que dentro de momentos toda a viagem até àquele luxuoso edifício deixaria de fazer sentido. Nem António, nem sermão, nem mesmo o meu trabalho como inquisidor faziam sentido naquele momento. Aquela Igreja que quase nos arrancava os pulmões do peito e nos deixava a sufocar ali no meio, era o centro dos meus pensamentos. Toda a teatralidade das deslumbrantes ornamentações, revestidas de cima a baixo com o luxo que apenas uma talha dourada pode conceder. Se D. João V pretendia valorizar a sua imagem ao mandar construir tão imponente e poderosa igreja, bem, a meu ver, foi muito bem conseguido.
Como católico que sou e cuja vida dedico inteiramente à prática e manifestação das minhas crenças, nunca nenhuma outra igreja me havia tocado e deslumbrado de modo tão fogoso e sufocante. É como se todos os meus sentidos tivessem sido acionados, todas as minhas emoções, desde que passei por aquela porta. Esta aura religiosa envolve-me como nenhuma outra é capaz de o fazer.
Toda a Igreja parece movimentar-se. Parece que dança à minha volta e me canta ao ouvido. Ao olhar para o fundo, não o vejo. Todos estes jogos de claro-escuro tornam-na infinita, irreal. O teto, maravilhosa e rigorosamente pintado e que parece prolongar-se além do infinito, fez deslizar uma lágrima pelo meu rosto. Todas as oito capelas à minha volta, tão dramáticas e douradas provocam a mesma emoção em mim. Encontro-me agora no meio da igreja a chorar como um bebé acabado de nascer. Acho que era esse o objetivo. Todo o edifício foi construído para apelar aos sentidos como nenhum outro. Foi construído como um livro de histórias é escrito, para contar a nossa história, a história da nossa Igreja.

Joana Tomás, nº 16, 11º D

Nenhum comentário:

Postar um comentário