quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Visita de estudo: relatório de um inquisidor



Relatório – Inquisidor a São Roque                                    
   1662.11.16
   Fresco da recente chegada a Lisboa, Padre António Vieira não se deu bem quando se apercebeu que o seu velho companheiro protetor D.João IV tinha falecido no ano de 1657, ainda antes de ele começar a ser desprezado e atirado para fora do Brasil pela sua incómoda “voz”. Homem de heréticas opiniões, não pode ser dotado de louvor ou valor como os outros pregadores que tão bem ocupam a sua ocupação enquanto pregadores.
   Venho hoje a São Roque, procurar e anotar a sua ousadia e incriminar as suas palavras, como inquisidor sólido que sou.
  Ou venho, eu hoje, como inquisidor afortunado que sou, ou como homem comum, espantar os meus adormecidos conhecimentos e deslumbrar o encanto que agora revejo em cada canto desta igreja: o canto da simplesmente espantosa arquitetura barroca desta igreja, ou o canto cantado das palavras soltas p’lo Pe António Vieira.
  Não admira que São Roque, santíssima Igreja, tenha servido de exemplo a outras igrejas cristãs pelos cantos do mundo, como ouvira dizer: no Brasil, ainda em Portugal e também na Índia.
  Também não consigo deixar de reparar no estrondoso efeito acústico libertado pelas quatro paredes desta retangular igreja.  Será o efeito estrondoso p’la supremacia e virtuosa arquitetura retangular e escultura e pintura barroca – acompanhando como efeito de requinte? Ou serão as palavras sermãozadas do Pe António Vieira tais, que de razão forte e voz consciente conferem um som elegantemente ritmado e movimentado? Ou serão um, os dois só?
  Falando em detalhe, repare-se no barroco entranhado nesta caixa de igreja que parece assim mais um baú de tesouros. Arcos de volta perfeita, denotam vestígios por aqui passados do Renascimento. Os frescos e esculturas que de forma sensacionalmente rigorosa, realista, naturalista e teatralesca retratam perfeitamente a vida dos santos e mártires. Esplêndida a fantasia espanejada nesta libertação espacial simétrica entre capelas e entre frescos e entre as ideias e rezas por aqui passantes.
  Entendo agora a designação de Barroco. Pérola é a unidade da magia festiva que por aqui inquieta entre artes barrocas. Reparo agora, como por exemplo, na minha frente – Capela Italiana de São João Batista. Que Luxo! E por luxo entenda-se peças escultóricas e ornamentadas, mosaicos vidrados espalhados por chão, paredes, pelo teto. Fantástico exemplo da finalíssima época Barroca.
  Num encanto auditivo, se me torna o corpo, agora, num frente a frente ao púlpito onde se encontra presente Vieira. Que hei-de eu pensar, se me invade num tom que parecendo celestial, ritmado de elevadíssimo elegância e movimento, o jogo com que o Padre despe as suas palavras em ideias pelas suas ideias em encanto? Um estilo de círculos concêntricos de uma clareza  e graça levíssimas em que a expressividade da sonora poesia não estaria melhor contextualizada e acompanhada se não num lugar de tanto barroco. Completam-se metáforas e esculturas, ironias e pinturas, o sermão e a saudável saudosa arquitetura.
  Rebato-me sobre o chão – olhando o teto. Fascinado com o que vejo, sem mais nada para dizer ou conseguir, esqueço-me ou faço-me esquecer de razões que por aqui me trouxeram.
  Quem se atrevera a acusar ou alegar tão consciente e verdadeiro imperador defensor das mais desfavorecidas classes, como índios, como escravos, que se não fazer o contrário e querer prendê-lo entre celas como a liberdade desses seres, estão presas por entre as mãos secas de quem os manda? Quem não ouve a voz pela razão e que pela razão da doutrina oferecida se queira recusar.
  
Gabriel Filipe Duarte Gonçalves
n 10   11 E, Português


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